domingo, 15 de outubro de 2017

Como você avalia os volumes do VE?? Tomara que não seja pelo método de Teichholz...

Há uma série de condições patológicas que se utiliza da avaliação do volume ventricular esquerdo como fator de decisão para intervenção e como marcador prognóstico. Sem dúvida, o padrão-ouro para tal avaliação é o estudo de Ressonância Cardíaca, o qual por razões óbvias, não é realizado na maior parte dos pacientes de nossa prática clínica. Convencionou-se, assim, utilizar a estimativa dos volumes através da conhecida  equação do Dr. Teichholz (Teichholz et al. Am J Cardiol, 1976. Jan;37(1):7-11). Importante lembrar também que são estes volumes que determinam o cálculo da fração de ejeção (e por conseguinte, a função sistólica do VE), nos laudos da esmagadora maioria dos laboratórios de ecocardiografia de nosso país.

Evidentemente é amplamente conhecido que a avaliação dos volumes ventriculares (e por conseguinte a fração de ejeção) é mais acurada quando realizada através do método de Simpson biplanar, assumindo a geometria ventricular como o somatório de pequenos discos, reduzindo assim a interferência das alterações segmentares. Todavia, esta técnica apresenta os vieses dependentes do operador, como a dificuldade de determinar adequadamente o bordo endocárdico, a escolha criteriosa do frame a se avaliar (idealmente escolhido de forma sincrônica com o ECG), e o conhecido "encurtamento" da ponta do VE (foreshortening), situação em que o eixo assumido como longitudinal na verdade não é o maior eixo do ventrículo, por erro técnico na obtenção da janela acústica. Para minorar estes vieses, inclusive, a recomendação mais atual do ASE, de 2015, determina a realização rotineira do Simpson biplanar, e quando possível, a avaliação dos volumes através do método 3D, que ao menos em teoria, eliminaria o foreshortening e reduziria as dificuldades técnicas da avaliação geométrica do VE (algo um pouco diferente na prática, devido a limitações relacionadas a qualidade dos softwares atualmente disponíveis).

Porém, em muitos dos nossos laudos ecocardiográficos, a fórmula que deriva os valores de volume e de fração de ejeção de forma automática é a de Teichholz. O trabalho ancilar do grupo do Dr. Teichholz estabeleceu a seguinte equação para o cálculo do volume ventricular esquerdo:

(Fonte: www.e-echocardiography.com)

O Dr. Teichholz demonstrou que a equação se aplicava apenas nos pacientes sem alterações segmentares (fato este bem conhecido por todos os ecocardiografistas: a fração de ejeção por Teichholz é inacurada em pacientes com segmentos apresentando contratilidade alterada - fato este gerador de confusão com bastante frequência entre os colegas cardiologistas clínicos, que por vezes não compreendem este conceito e avaliam de forma equivocada a função ventricular global do paciente).
Porém, há um detalhe bastante interessante sobre este trabalho, relativamente desconhecido entre os colegas ecocardiografistas: a equação foi validada tendo como padrão-ouro a ventriculografia, e avaliou 24 pacientes (sim, apenas 24!!!!), divididos em dois grupos: 12 com alterações segmentares e 12 com ventrículos com normocontratilidade. Obviamente, a equação só se mostrou acurada nos ventrículos sem alteração segmentar. 
Ou seja, nossa tradicional equação utilizada desde então em bilhões de laudos ecocardiográficos, foi baseada em um trabalho com 24 pacientes!! 

Não há duvida que qualquer ecocardiografista zeloso de sua avaliação vai basear sua avaliação da função ventricular no maior número de critérios possível, e fará a justa revisão crítica de todos eles antes de determinar os volumes e a fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Todavia, como aspecto histórico, é interessante saber que um cálculo tão ubiquitante como este foi baseado em um número tão exíguo de sujeitos. Quantos dos amigos conhecia este fato? Comente e enriqueça a discussão sobre o tema!!